Presidente diz que não podia usufruir da área externa do Alvorada por perigo de ataque por veículo não tripulado
Porto Velho, RO - O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou recentemente, em um tom de desabafo, que corria risco de ser assassinado em um ataque por drones antes da instalação de um sistema de segurança no Palácio do Alvorada.
No entanto, o aparato contratado pelo governo federal no início de 2020, ao custo de R$ 2,5 milhões, atua para barrar exclusivamente drones comerciais, sem capacidade bélica.
Especialistas —e o próprio edital da licitação— indicam ainda que o principal objetivo da medida é garantir a privacidade do mandatário e impedir ações de espionagem.
Em 7 de outubro, Bolsonaro concedeu uma entrevista ao lado do apresentador José Luiz Datena. As declarações começaram com um tom comedido e depois terminaram em ataques aos seus adversários. O mandatário disse que tudo o que fazia era "pelo Brasil" e que nem chegava a usufruir dos benefícios de ser presidente.
Nesse momento, afirmou que, por risco de morte, não aproveitou a área externa do Palácio da Alvorada no primeiro ano de mandato.
"Nada usufruí desse governo, nem a piscina aqui do lado. E no começo eu não podia sair aqui fora, sabe por quê? Porque eu poderia ser assassinado por drones, até botar um sistema antidrones e eu poder frequentar um pouquinho aqui nas poucas horas de lazer que eu tenho. A vida que eu arrisco o tempo todo e vocês estão vendo", afirmou.
O GSI (Gabinete de Segurança Institucional) não informou se foram detectadas ameaças reais à vida do presidente com ataques usando drones. "O GSI não comenta nem divulga detalhes sobre peculiaridades da segurança das autoridades sob sua proteção", disse em nota.
O GSI comprou no início de 2020 três unidades de sistemas antidrone para instalação nos palácios da Alvorada, do Planalto e do Jaburu (residência oficial da Vice-Presidência).
O custo foi de R$ 2,5 milhões, e o contrato já foi prorrogado uma vez. Os equipamentos têm a capacidade de identificar a presença de drones em um determinado perímetro e bloquear a comunicação do aparelho com o controlador.
O edital de licitação justifica a necessidade da tecnologia argumentando que os veículos aéreos remotamente pilotados são usados para ações de "espionagem, captura de imagens e informações, estudo de vulnerabilidade na segurança de instalações, invasão de privacidade e ações criminosas".
Ainda cita que diversos "meios de mídia" têm mostrado que, além de serem usados para filmagens e invasão de privacidade, eles têm sido apresentados como "potenciais condutores de explosivos e, até mesmo, de armamentos com capacidade de serem acionados a distância".
O GSI não quis dar detalhes sobre o funcionamento do sistema. A empresa que detém o contrato com o governo federal, a Segurpro, alegou questões contratuais e não deu informações sobre sua operação.
Especialistas em segurança afirmaram à Folha, no entanto, que os drones comuns, que podem ser contidos pelos equipamentos comprados pelo GSI não têm capacidade para abater alvos. Essa finalidade se restringe aos drones militares.
O pesquisador e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Ivan Marques alerta que o monitoramento do espaço aéreo de Brasília já é um importante mecanismo para detectar a ação dos drones militares.
Em relação aos drones comerciais, o especialista considera útil e necessário que um sistema para detectá-los e torná-los inoperantes esteja em funcionamento nas áreas dos palácios para garantir privacidade e sigilo.
Por outro lado, considera pouco crível a menção a crimes promovidos com esses drones comerciais ou que esses equipamentos menores possam ser adaptados para promover atentados.
Cita que há poucos registros dessas ações e que um dos casos mais graves foi o ataque contra apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que foram atingidos por um líquido lançado por um drone que sobrevoou a região de um evento com a participação do petista, em Uberlândia (MG).
"Esse tipo de coisa menor pode acontecer. Mas transformar um veículo não criado para essa finalidade em capaz de disparar projéteis, não me parece ser o caso da tecnologia hoje no Brasil e em nenhum lugar do mundo", completa.
Alcides Peron, doutor em Política Científica e Tecnológica e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, afirma que não há no mercado drones comerciais que tenham capacidade de disparo.
"O que a gente vê é que alguns [drones] passam por modificações amadoras, de quem conhece a tecnologia e consegue instalar sistemas de coleta de item e arremesso, mas não há aplicação efetiva e acessível ao público com a devida estabilidade para efetuar um disparo", disse.
"Drone não consegue ter estabilidade, efetuar mira. O que tem acontecido em alguns casos, muito isolados no mundo, são utilização de drones fotográficos, de filmagem, que você tem a utilização de algum explosivo ou algum outro tipo de aparato, como tinta e dejetos", completa.
Segundo Peron, a adoção de medidas de segurança para chefes de Estado é legítima, por mais que o principal risco seja à intimidade da família presidencial. Ele destaca, no entanto, que a declaração de Bolsonaro atrai um medo injustificado.
"O drone mexe com o imaginário da população e já foi usado por outros políticos para criar esse ambiente de ameaça inexistente", conclui.
O gerente do Instituto Sou da Paz Bruno Langeani, por sua vez, cita alguns casos vistos em áreas conflituosas, como na Guerra na Ucrânia, em que drones promovem ataques com veneno e explosivos. Destaca que não apenas equipamentos desenvolvidos para isso foram verificados, mas também outros que foram adaptados.
"Esse é um risco real que aparece [citado no edital], mas o edital lista outros episódios que podem estar relacionado com outros riscos, invasão de privacidade de presidente e funcionários, roubo de informações de inteligência, como vários prédios têm espaço de helipontos, você tem risco de acidentes aéreos se houver esses aparelhos", afirma.
O edital lista uma série de eventos, desde a instalação do governo de transição, no fim de 2018, em que drones de pequeno porte foram detectados próximos ao presidente, sem detalhar os níveis de ameaça que ofereceram.
Langeani afirma que esses sistemas antidrones são importantes, porque podem detectar com 200, 300 metros de distância a aproximação dos equipamentos, possibilitando assim torná-los inoperantes e adotar outras medidas.
Fonte: Folha de São Paulo
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